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O FIGURINO DE ROSEMARY


Rosemary's baby (O bebê de Rosemary) é um filme de 1968 dirigido por Roman Polanski, adaptado do livro de mesmo título, que foi escrito por Ira Levin em 1967. Esta produção conta com grandes nomes do cinema, o do diretor Roman Polanski, e o dos atores Mia Farrow e John Cassavetes (importante figura do cinema independente americano no inicio na década de 60).

Essa análise de moda terá como foco a personagem de Mia Farrow: Rosemary.

SINOPSE:

“Recém-casados, Rosemary e Guy mudam para um novo apartamento, onde fazem amizade com um casal de idosos e descobrem que estão esperando seu primeiro filho. Aos poucos, envolta em pesadelos e alucinações, ela começa a desconfiar dos hábitos estranhos de seus vizinhos e de seu próprio marido, temendo pelo futuro de seu filho.” (melhoresfilmes.com.br)

Nos anos 60 a mulher já havia passado por muitas mudanças sociais, que deslocaram suas funções do lar para as empresas, fábricas e outros setores, por contas das grandes guerras mundiais e outros eventos da humanidade. Assim, muitas trabalhavam e iam aos poucos assumindo sua independência e igualdade, no entanto o padrão predominante na sociedade americana ("vendido" nos anos 50, o American Way of Life), estava bastante presente na vida cultural: neste, falando de modo sintético, cabia ao homem trabalhar e manter financeiramente a família, e a mulher estar incumbida das tarefas domésticas e educação

dos filhos em casa.

Toda construção visual deste filme é baseada na própria época, pois tanto o livro quando a produção cinematográfica deste é feita e se referência ao final da década de 1960. A figurinista, Anthea Sylbert, teve desta maneira que formar um acervo das revistas de moda (como Vogue, Hapers, etc.) para não se perder na construção do tempo, uma vez que este foi um período de muitas mudanças constantes, na área tecnológica, social, política, repercutindo também constantemente nos quesitos da industria e cultura da moda. Assim, a direção de arte e figurino (que está dentro do primeiro) do filme se baseiam nas descrições apresentadas na história literária, juntamente com os acontecimentos e transformações

vigentes ao momento que a equipe do filme viviam. Na trama, o duelo entre o "bem e o mal" é o que constitui o plano de fundo, representado especialmente pela figura dualista do bebê. Esta figura é a que guia primordialmente a estética fílmica (nas cores, músicas, etc.) e em especial, figurino de Rosemary. Nesse sentido, temos para a personagem Rosemary esses

dois pilares de moda guiando todo seu estilo e guarda-roupa, digamos assim.



A personagem Rosemary é uma moça de personalidade doce e tradicional, se dedica às funções domésticas e sonha em ter um filho, ou seja, está mais voltada para um temperamento "clássico" do American Way of Life do que das inovações de papeis sociais dentro da família e sociedade. Seu marido trabalha como ator e é quem provê ao lar. O vestuário dela apresenta um estilo suave, meigo e delicado, vinculado à uma atmosfera de inocência e aspecto angelical, o qual cria oposição ao ponto de terror da história, que será trazido por meio de seus vizinhos. Ou seja, o bem e o mal que existem no filme em dialética através da moça e das figuras maléficas da seita, entram em um embate psicológico e paradoxal quando um bebê, simbolicamente puro e inocente como Rosemary, encarna o

mau também.


 

Bem, adentrando na questão do figurino, já na apresentação inicial, Rosemary está vestida em traje monocromático creme/branco.

As peças chaves do guarda roupa dela são vestidos e saias mid, com corte retos, trapézio e evasê, bem típicos da moda neste período. Existem momentos nos quais seu figurino é mais infantilizados e outros mais sérios, todavia nunca entram em um estilo sexy e ousado, vertente que a época também abarcava, como temos na figura de Brigitte Bardot. Sempre jovial e elegante, a paleta de cores de seu vestuário é suaves, e predomina os tons em pastel: amarelos, azuis, marrons, bege, creme, todos bem claro e neutros. Mesmo quando aparecem as estampas, elas são delicadas, remetendo diretamente à uma alusão do que

também seria um guarda-roupas de um bebê pequeno.


No decorrer da história eventos sinistros começam a acontecer, levando as cores de seus vestuários a se intensificar também. Em um dos momentos mais tensos do filme temos o conjunto longo vermelho, em tom sangue é bem esse o simbolismo que transpassa á toda a sequência do jantar (na qual ela será "fertilizada" com as sementes do mal).

Essas tonalidades mais escuras seguem com maior frequência a partir daí, nas cenas ligadas ao sofrimento de Rosemary ao longo da gravidez: vemos trajes em verde musgo, azul

marinho, vermelho e um marrom mais escuro que anteriormente.



 

O clima do filme também é construído em diálogo e por meio da arte do filme. Por exemplo, a história se inicia no verão, passando pelo inverno, logo chegando a primavera, e cada uma dessas estações estabelecem a atmosfera de cada fase da história. Assim, as cores, os tecidos, as modelagens acompanham esse caminhar para localizarem temporalmente o espectador, mas também para estabelecerem justamente a atmosfera dessas fases: alegria inicial (o bom), o mal estar no meio (o mal), e no final uma felicidade ilusória (paradoxo bem e mau). O elo visual que será trabalhado e que une trama+ estação do ano+ estado emocional reverberando no clima e no vestuário será exatamente o mesmo, o qual inicia no verão com os trajes leves e frescos, de cores suaves e alegres; depois no inverno, roupas mais pesadas e grossas, de cores fechadas e sóbrias; e ao final com a primavera temos o retorno ao vestuários mais suaves e leves, sendo que por detrás disso Rosemary está aponto de ter o bebê e descobri tudo que está passando, então enquanto superficialmente tudo esta bem (sua saúde melhorou), temos o clima macabro por detrás por meio justamente dessa unificação entre os dois extremos em uma figura de aparência benfazeja. Uma evidência, para além das sutislezas do clima que se dápor meio da música e outros artifícios, é a sequência final de Rosemary com seu robe de grávida, com estilo altamente infantilizado, segurando uma enorme faca afiada e indo atrás de respostas e de seu filho.


(Inicio: verão)


(meio: outono/inverno)




(Final: primavera/verão)


(Sequencia final)


 

Rosemary, em toda sua abundância de "looks", aparece usando calças apenas em três momentos do filme, e são cenas bem breves da sequência dela decorando o novo apartamento. Aqui é a única parte que temos um paralelo da personagem com ações mais voltadas à "práticas do homem" dentro da mentalidade da década que era questionada. Sendo que, como podemos ver, é algo fraco nela, levando sua constituição de personalidade mais uma vez a um temperamento de "boa esposa", e que ao final, seguindo cegamente tudo que seu marido propunha, acaba encontrando em uma situação de horror. Em um sentido bastante extremos aqui que ela relação esposa e marido ocorre, e se dando de modo bastante sugestivo, pois em nenhum momento é de fato discutido nenhuma temática ligada diretamente a questões sociais. Todavia, pensando neste raciocínio, teríamos por de tras dessa história propostas e questionamentos políticos sobre a mulher na sociedade? Aqui, deixamos isso por hora em aberto...


 


Em relação ao contexto da moda na década de 60, ocorreu que a democratização da moda, ou seja, confecções ready to wear, se intensificou. As fábricas passam a produzir em maior quantidade e copiar facilmente modelos da alta costura, que é o prêt-a-porter, ainda mais popularizado. O público jovem passou assim a ser um consumidor importante, pois a América estava em uma fase pós segunda guerra, a qual foi extremamente prospera, e as famílias e industrias mantinham situação financeira alta e estável. Deste modo, estes jovens, com o dinheiro de seus pais e já em fortes rupturas com os modelos culturais e sociais da década antecessora, consumiam com autonomia e buscam se expressar muito

pelas roupas que vestiam.

Seus trajes cumpriam o papel de provocar justamente rupturas com as gerações de seus pais, levando a vestimentas mais ousadas que expressavam a rebeldia, como minisaias e o jeans e camiseta (que era antes roupas de homens trabalhadores de obras e similares). Esse estilo por sua vez, começa a influênciar a industria de moda, já que existe público consumidor interessado, e assim tais peças também passam a ser vendidas como produto de moda.

Essas são algumas das mudanças que fizeram parte da cultura dos anos 60 que dialoga diretamente com a moda, uma influenciando a outra. E, tais constantes transformações que nos referimos no início deste texto, as quais a figurinista de Rosemary's baby teve que ficar atenta e se organizar para construir o figurino do filme. Pois, essas transformações constantes alteravam a atribuíam novas modas em uma velocidade maior do que era costume nas décadas anteriores. As diversas lojas contavam com variedades de estilos e frequência de novos lançamentos. Se na grande maioria dos filmes até esse período da década de 1960, verificamos que os figurinos dos personagens abarcam composições mais sucintas, em outras palavras eles "trocam menos de roupas", em Rosemary's baby já acomanhamos uma personagem que exibe muitos "looks" a todo momento., evidênciando

um farto guarda-roupa, com muitas peças e composições de trajes.

Nesta década, a boutique Bazaar de Mary Quant com suas minissaias - também vista nas coleções de alta costura de André Courrèges - eram febre, tendo inclusive competidores

com preços mais baixo, como a marca Biba.

Rosemary faz o estilo moça de classe, mas sua posição econômica exata não fica clara no filme. Percebemos que é educada, tem bom gosto e desejos de uma vida confortável, mas se mostra uma pessoa simples, sem muitos caprichos extravagantes. A interpretação de seu

status é exibido através do apartamento e das roupas que ela e guy usam. O estilo de

Rosemary se mantém impecável mesmo quando seu marido não está indo bem na carreira, e esse fator acaba, propositalmente ou não, expondo justamente a acessibilidade à moda que se passa a ter naquele período, disponível a uma variedade maior das camadas econômicas. Em muito poucas palavras, se no passado somente a realeza tinha acesso a tecidos nobres e belas modelagens, e depois esse luxo passa a camada burguesa e elite da sociedade, aqui, isso tudo começa a se modificar com mais força: a industrialização da moda e o ready-to-wear abrem a possibilidade de qualquer um ter "roupas bonitas" e na moda, independente de ser da elite ou não.


 


O tipo do físico e da beleza de Rosemary é bem típico a um dos padrões da época: muito magra, cabelos curtos, pouco busto e maquiagem de boneca, com cílios bem marcado. Essa é uma referência ào estilo da Modelo Twiggy (principalmente quando na segunda metade do filme Rosemary corta o cabelo bem curto). Uma forte referência do universo cinematográfico desta mesma época, que permanece na imaginação até hoje mas que é própria desta década, é a atris Jean Seberg, protagonista do filme da Nouvelle Vague "À bout

de souffle" (1960), de Jean Luc-Godard.

Esses arquétipos são voltados para a jovialidade, androginia, e modernidade, uma vez que eram parte do ideal dos movimentos jovens e feministas da época. Existiam outros tipos no cinema da década de 60, como o famoso estilo "sexy kitty", personificado especialmente por Brigitte Bardot, o qual esse ar infantil é levado a femme fatale com formas voluptuosas ao invés do tipo reto e muito magro.

(modelo Twiggy / atriz JEan Segerg em "À bout de Souffle")


Alguns acessórios da tendência dos anos 60 que aparecem no figurino é a faixa grossa de cabelo, o penteado de menina (no caso dela as chiquinhas), franjas, e depois o mais moderno: o corte curto. O relógio na ultima imagem é, em quesitos de figurino, algo levado a uma personagem delicada, bem como os brincos de pérola e claro, a aliança.

A posição submissa de Rosemary aos desejos de seu marido talvez signifique a decadência aos antiquados modelos de casamento e sociedade. Percebe-se um esforço muito grande para ela se enquadrar no padrão, mas a coisa toda já não se sustenta, se mostra falsa e no simbolismo da história, até terrível.

Um filme clássico do gênero de terror suavizado pela doçura da direção de arte e figurino, sem contar claro, a própria Mia Farrow. Adaptação de sucesso que pertence a lista dos melhores filmes que todos cinéfilo deve assistir, mas também os apaixonados por moda e estilo.


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