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MAGAZINE

Direção e Adaptação de texto: Marcus Alvisi

Figurino: Laís Serra, Lara Arantes, Rafael Freitas

Texto original: Aristófanes (411 a.C.)

Local: Faculdade de Artes Cênicas – CAL – Casa das Artes de Laranjeiras

Turma: BT45



Nas palavras do diretor e realizador da adaptação do texto original:


"Lisístrata - A Greve do Sexo, de Aristófanes, escrita em 411 A.C., é uma comédia dentro da tragédia. Comédia, nas relações das mulheres com os homens. Tragédia, nas relações dos homens com as mulheres. Diferença crucial, uma inversão no movimento de rotação da terra, dessa terra chamada Grécia. É de uma forma quando os homens estão no comando das ações; de outra quando as mulheres tomam a iniciativa. Distinção posta com clareza em Lisístrata através de seus episódios." (Alvisi, 2024)

No respectivo trabalho, o espetáculo clássico se contemporiza em seus debates, expressando-se em uma estética brasileira pelo Funk. Um músical dançado ao invés de cantado. Para essa transposição, a bricolagem deve ser incorporada na Direç˜ao de Arte, que se pautou predominantemente no Figurino, necessitando de trajes com uma ergonomia flexível devido as coreografias de dança.

Devido aos atores se alternarem em alguns personagens, os figurinos também precisaram levar em conta as modelagens enquanto biotipos, adequando-se a altura, busto, etc. Um dos casos era a personagem protagonista e sua coadjuvante, que intercalava entre duas atrizes para cada. Ademais, tratamos aqui de um espetáculo para alunos de Bachalerado 4º período (CAL), havendo o contexto das verbas específicas para sua produção, que neste caso, ocorrendo, neste caso, compras somente para casos e necessidades específicas. Em maioria, contamos com o acervo da CAL, e seleção de peças dos guarda-roupas pessoais (atores e figurinistas).

O primeiro passo na execução dessa tarefa, é a leitura do texto, marcando cada personagem, suas características, indicações de trajes, objetos, cenários, ou seja, a decupagem. Conjuntamente, a compreenção do material em seu contexto, significados, intenções do diretor devem ser consideradas. Nesse caso, Alvisis criou uma peça em bricolagem com o funk brasileiro, ou seja, o figurino deveria ser uma mescla, uma fusão, entre a antiga Grécia e a moda do funk contemporâneo. Pesquisas de referências, inspirações, indumentária e tendências foram realizadas com fotografias da história da moda, teatro, revistas de moda, clipes de músicos e outras fontes, formando assim as pranchas para as mulheres, homens e paleta de cores.


As pranchas


Adotando a base de referência dos trajes Gregos, que se davam em tecidos amarrados e estruturados no corpo sem modelagem, o desafio do dialogo com o funk - justo, curto, demarcado em parte de cima e de baixo -, era encontrar uma linguagem comum. Por isso, as cores foram de enorme importância. Dado que, entre os gregos, pelo menos como nós os imaginamos e conseguimos conceber por meio dos registros disponíveis, a base branca/crua das túnicas eram adornadas por tecidos de cores primárias e joias de ouro e prata, encontramos aí um laço conectivo. Os tons azul, amarelo, verde e vermelho são parte do imaginário do sudeste em seus locais populares, vistos nas caixas de engradados de cerveja, pinturas de ruas, favelas cariocas, sem contar as cores da bandeira do Brasil.



A sensualidade das figuras de cada contexto foi igualmente representativo. Embora as mulheres e homens gregos usassem indumentárias sem moldes feitos nas formas do corpo, eles apreciavam exercícios, músculos e a sexualidade, nos levando a entender as roupas contemporâneas como expressões desses conceitos.

Para as mulheres, criamos uma estrutura que se voltasse para um vestuário do que seria "esportivo" ou "íntimos" da Grécia, transpondo para biquínis, hotpants, saias curtas, e tops com camadas por cima (que era necessário inclusive pelas marcas do texto com sobreposições de tecidos, em que as personagens tiravam e colocavam durante a história).





A personalidade sexy porém durona, guerreira, presente em uma espécie de arquétipo das mulheres de ambos contextos, fechou a grade dos guarda-roupas com muitos adornos dourados, irrelevantes e sensuais. O universo masculino da peça caminhou em paralelo dentro da mesma idéia: guerreiros, funkeiros e "crias" de favelas cariocas. Seus vestuários oscilaram em dois momentos, o primeiro remetendo mais as ruas e o segundo mais a guerra em si, todavia, as peças se mesclavam entre os dois atos da peça, gerando uma continuidade estética. Assim, a prancha dos homens se fez no conceito já indicado, sendo neles uma necessidade de mescla maior, uma mais casuais e outra mais ostentativa.





Ao final, uma outra camada de cores foi percebida como presente no universo do funk, que demonstramos na prancha seguinte, sendo utilizada na realidade, apenas como tom de atmosfera e estilo do brilho neon e saturado.




Isso ocorreu por um aspecto chave que mencionaremos agora: o simbolismo da água e do fogo. Como posto por Alvisi:



"A simbologia entre fogo e água também caracteriza um ponto de tensão nessa comédia pacifista - mesmo que de pacífica sobre pouca coisa. A água, que penetra nas arestas mais finas, dentro e fora de todos nós, deve eclipsar o fogo? Apagar o desejo de matar seres humanos por outros seres humanos? Ou, pelo menos, substituir o anseio de matar pela vontade sexual? Esses questionamentos extremamente ordenados são da personagem Lisístrata, que, como estratégia de luta, programa uma greve do sexo. Nenhum contato enquanto não cessar a guerra!" (Alvisi, 2014)


Assim sendo, foi imprescindível adotar tons frios para as mulheres, e quentes para os homens, visto que, para além da questão metafórica, os próprios diálogos se pautam na idéia da água e fogo ao longo do espetáculo. Com a intenção de não "super-saturar" ou esgotar essas cores deixando uma paleta monocromática e expositiva, gradações de outras tonalidades foram utilizadas, mas com o cuidado das predominâncias se voltarem a este conceito.





A Produção


Como dito, havia alguns desafios, como o orçamento e as alternâncias de atores para alguns personagens. Lisístrata, era interpretada por duas atrizes diferentes, e quando essa não era tal personagem, era outra, criando uma demanda de figurinos diferentes. No caso da protagonista, encontramos um vestido que servia em ambas, precisando de pequenos ajustes, mas sendo esse transparente, o body que usava-se por baixo, precisava serem dois, e por ai segue a lógica.

Para chegar em uma estrutura de organização, foi criado um mapa de cada configuração dos espetáculos foi criado, apontando como se dispunha cada elenco: quem mudava, quem permanecia sempre o mesmo, e até mesmo, aqueles que mudavam de roupa ao longo da peça.




Na produção, a estratégia foi solicitar aos atores roupas e acessórios de que dispunham a partir das referências, acervo da CAL, uma visita ao Saara (rua do Rio de Janeiro), e feira da Gloria, lugar que brechós e produtos de segunda mão são vendidos mais baratos. Além disso, os próprios figurinistas disponibilizaram peças de seu acervo pessoal, formando momentos de prova de figurino ao longo das semanas para experimentar nos atores e ver os resultados de tamanho e composição.


Após tal fase, e com o quadro de organização para cada dia de espetáculo, organizou-se a composição de cada personagem de maneira que, certas vezes, uma mesma peça foi testada em mais de um corpo, logo, o período de testes foi extenso. Precisávamos conferir se as vestes davam conta dos movimentos das danças, expressões corporais, e o coro de atores juntos em cena.




A organização no camarim


Tratando-se de 20 atores, múltiplas camadas de roupas e adornos, uma organização acentuada foi primordial. O espaço da CAL facilitou muito nesse sentido, contando com um camarim amplo, arara e cabides, forneceu uma estrutura profissional. Todo material disposto anteriormente para os testes foi retirado do local, deixando tudo livre para somente o que seria utilizado: cada ator tinha um cabide com o figurino de seus personagens. Havia uma placa com cada nome, um ziplock para os acessórios, e para aqueles que tinham muda de roupa, a assistência da equipe estava lá em todos os dias de espetáculo.




Ao final, após muitas adaptações, a construção geral dos figurinos ganhou coerência e conjunto estético, conseguindo transpor tanto a mescla dos dois universos abordados, como o sentido simbólico. A experiência com tal montagem foi excepcional, em que o figurino tomou vida com as danças, trabalhos de atuação, músicas e claro, direção teatral. Para conferir o resultado completo e bastidores, acesse o link das fotografias executadas por Laís Serra.






Anexo: Programa do Espetáculo completo, com Ensaio editorial por Marcus Alvisi.





Rosemary's baby (O bebê de Rosemary) é um filme de 1968 dirigido por Roman Polanski, adaptado do livro de mesmo título, de autoria Ira Levin e publicado em 1967. Esta produção conta com grandes nomes do cinema, além do próprio diretor, os atores Mia Farrow e John Cassavetes, sendo o segundo, importante figura do cinema independente americano no inicio na década de 60.

Essa análise do figurino recai sobre uma abordagem da moda e terá como foco a personagem de Mia Farrow: Rosemary.

SINOPSE:


“Recém-casados, Rosemary e Guy mudam para um novo apartamento, onde fazem amizade com um casal de idosos e descobrem que estão esperando seu primeiro filho. Aos poucos, envolta em pesadelos e alucinações, ela começa a desconfiar dos hábitos estranhos de seus vizinhos e de seu próprio marido, temendo pelo futuro de seu filho.” (melhoresfilmes.com.br)

Na década de 1960, o satus da mulher Ocidental em geral, havia passado por muitas mudanças sociais devidos as duas Grandes Guerras Mundiais. Com a ida dos homens para campos de batalhas, as mulheres ocuparam cargos que anteriormente não eram de "seu porte", seja em gerenciamentos da vida profissional como trabalhos braçais. Essas alterações na vida prática repercurtiram, obviamente, no funcionamento psicológico, cultural e social em geral, ocasionando novos modelos femininos de comportamentos, desejos, e atividades. Assim, muitas mulheres passaram a serem ativas para além das funções do lar, como cuidar da casa, filhos e marido, expandindo seus horizontes em prol de si mesmas e suas carreiras. Aos poucos, novos movimentos feministas ganharam novo fôlego e formas, buscando independência e igualdade.

Todavia, no que tange a América, EUA, o padrão predominante mais "vendido" nos anos 1950, foi o American Way of Life, instaurado no marketing e imaginário coletivo após a Primeira Guerra Mundial. Nesse, a configuração do crescimento financeiro representou-se pelos homens em empresas e mulheres com seus novos equipamentos domésticos enquanto a primazia do sucesso. A "família perfeita e feliz". Logo, na década seguinte, passado todos acarretamentos da guerra, tal modelo foi entrando em declínio, aparecendo inclusive no cinema, que apresentava tais moldes em crise.

No filme aqui retratado, temos a construção visual contemporânea ao período de realização, ou seja, a Direção de Arte em suas cores, cenários, figurinos e caracterização, correspondem á década de 60 americana. A figurinista, Anthea Sylbert, formou o acervo dos personagens de acordo especialmente com as referências de moda, através de revistas como Vogue, Harper's Bazaar, etc. Como nessa época as mudanças estavam altamente aceleradas, impactando a moda, a exemplo da disseminação do Prêt-à-porter, esses materiais impressos com tendências demonstrou-se de grande importância à profissional. Por conta disso, dissertaremos sobre a representação do figurino em confluência com a moda, buscando demonstrar o vínculo existente entre ambas áreas, e como tal diálogo se representa um reflexo de contextos culturais e sociais.

Na trama, o duelo entre o “bem” e o “mal” é o que constitui o pano de fundo, representado especialmente pela figura dualista do bebê. Esse personagem, embora nunca apareça visualmente, torna-se o guia da estética filmica, transpondo-se como identidade visual para os conceitos e inocência versus malícia em tudo: paleta de cores, música, diálogos, e, especialmente, no figurino de Rosemary. A protagonista marca esses dois pilares fundamentais, que dentro da construção de seu guarda-roupa, adota um estilo oscilante entre "infantil" e outro mais "mulher", digamos assim.


O filme e o contexto Americano


Rosemary é uma moça de personalidade doce e tradicional, se dedica às funções domésticas e sonha em ter um filho, corresponde inicialmente ao que mencionamos terem sido os moldes do American Way of Life. Seu marido é um ator, sem tanta fama ainda, mas é ele quem trabalha fora e provê ao lar. O vestuário da protagonista começa com estilo jovial, de traços até infantilizados. Predominam as cores claras, padronagens clássicas e discretas, dotando a personagem de características visuais ligadas a inocência e doçura, o que demarcará uma oposição ao ponto de terror da história, representado por seus vizinhos, que são excêntricos em suas caracterizações coloridas e extravagantes. O embate entre as forças do bem e da maldade existente no filme formula uma dialética por meio de Rosemary: um ser puro, que carrega um bebê maléfico, forçadamente gerado nela. Pautas psicológicas junto à violência física (como o estupro para conceber a criança) estão presentes no subtexto do roteiro, criando múltiplas camadas de críticas e pautas sociais e culturais.





O Figurino de Rosemary


Adentrando na questão do figurino, Rosemary começa usando um conjunto monocromático creme/branco: vestido, sapatos e bolsa, exaltados com a coloração de seu cabelo.


As peças chaves do guarda roupa dela são vestidos e saias mid, com corte retos, trapézio e evasê, bem típicos da moda neste período. Existem momentos nos quais seu figurino é mais infantilizados e outros mais adultos, todavia, nunca carregam uma sexualidade e ousadia, traços que eram também vigente na época. A moda contava com essas modelagens secas no corte, mas estrelas como Brigitte Bardot personificavam um estilo "baby sexy", com laços de fita no cabelo, mini saias, roupas infantilizadas em uma persona de mulher. Rosemary vai para outro lado, mais pautado na elegância, com paletas inicialmente claras, como tons em pastel: amarelos, azuis, marrons, bege, creme, todos bem claro e neutros. Mesmo quando aparecem as estampas, elas são delicadas, remetendo diretamente à uma alusão do que também seria um guarda-roupas de um bebê.


No decorrer da história eventos sinistros começam a acontecer, levando as cores de seus vestuários a se intensificar também. Em um dos momentos mais tensos do filme temos o conjunto longo vermelho, em tom sangue, simbolismo que transpassa á toda a sequência do jantar (na qual ela será "fertilizada" com as sementes do mal).

Essas tonalidades mais escuras seguem com maior frequência a partir daí, nas cenas ligadas ao sofrimento que a personagem passa com sua gravidez. As cores ficam mais escuras, como verde musgo, azul marinho, vermelho e um marrom.



A atmosfera filmica, acompanha esses eventos narrativos, pautando a mudança de estado emocional de Rosemary por outros meios. Por exemplo, a história se inicia no verão, momento em que o casal se muda para o novo apartamento, Rosemary inicia as decorações, Guy esta com a carreira em bom andamento, e a relação entre eles apaixonada. Após eventos que alteram a situação do marido em seu meio de ator, o desanimo dele passa a interferir no humor do lar, o "clima pesa".

Ao mesmo tempo, o casal idoso de vizinhos, se aproxima de ambos instaurando um tom de suspense ao filme. Nisso, uma noite bastante macabra se passa, seguindo da gravidez de Rosemary, que começa com felicidade, mas logo, problemas de saúde se acarretam. Nessa segunda fase, a estação altera passa outono e inverno. Após alguns meses complicados de gravides, a protagonista demonstra uma melhora junto a chegada da primavera. Rosemary volta a sentir-se bem, disposta e feliz, além de certas suspeitas que possuia em relação aos vizinhos e marido terem, aparentarem, ficado para trás.

Em um sentido visual, temos as cores, tecidos, modelagens das roupas, acompanhando todas essas mudanças, constituindo a estética, atmosfera, e auxiliando na localização temporal da narrativa. No verão, os trajes leves e frescos, de cores suaves e alegres; depois no inverno, roupas mais pesadas e grossas, de cores fechadas e sóbrias; e ao final, com a primavera, temos o retorno ao vestuários mais suaves e leves, sendo que por detrás disso, Rosemary está aponto de ter o bebê e descobrir a verdade sobre sua criança.

Logo, enquanto superficialmente tudo esta bem (sua saúde melhorou), temos o clima macabro por detrás por meio justamente dessa unificação entre os dois extremos em uma figura de aparência benfazeja. Com trabalho conjunto da trilha musical e demais elementos cênicos, na sequência final, quando ela vê seu filho pela primeira vez, descobrindo sua real face, ela usa seu robe de grávida, com estilo altamente infantilizado, ao mesmo tempo que segura uma enorme faca afiada.

Esse elo visual unindo a narrativa com as estações ao estado psicológico de Rosemary e suas caracterizações são o trabalho da Direção de Arte e figurino em um filme.


(Inicio: verão)


(meio: outono/inverno)




(Final: primavera/verão)


(Sequencia final)


A moda e sociedade


Rosemary, em toda sua abundância de "looks", aparece usando calças apenas em três momentos do filme, em cenas breves dela decorando o novo apartamento. Aqui é a única parte que temos um paralelo da personagem com ações mais voltadas à "práticas do homem". Dentro da mentalidade da década em seus movimentos feministas e questionamentos sociais, essa calça demonstra o aprisionamento da mulher, que seus maiores feitos permanecem sendo no lar. Como podemos acompanhar, essa força motriz mais ativa, é algo "fraco" nela, que se ilude em um modelo de vida já decadente, ilusório e ultrapassado, visto que o único a quem ama e confia, a traí da maneira mais sórdida possível: um pacto com os satânicos. O papel da "boa esposa", que ao final, seguindo cegamente tudo que seu marido propunha, acaba encontrando em uma situação de horror.



Em relação ao contexto da moda na década de 60, ocorreu que a democratização da industria gerou um comércio do ready-to-wear ou prêt-a-porter: peças prontas para usar. As fábricas passam a produzir em maior quantidade modelos inspirados ou copiados de grandes maisons, que até então trabalhavam predominantemente com a alta costura, peças confeccionadas em únicas ou poucas unidades. Levavam mais tempo para serem feitas, eram sob medida, e acessível a pouquíssimos que tinham mais status e recursos financeiros.

Com tal mudança, o público jovem passou a ser consumidor importante, pois a América em sua fase pós-segunda guerra, estava próspera e com adolescentes da era do "baby boom". Estes jovens, cheios de rebeldias e dinheiro, encontravam parte de sua independência de identidade através da moda, rompendo através dos estilos dos modelos de gerações passadas, como a de seus pais. O movimento punk, por exemplo, cresceu e ganhou mais forma, ou mesmo a saia tendo ficado curta, que representava o mostrar do corpo, tal qual o jeans, que passou de uso em fabricas para o Street style, são casos dessas reconstruções por meio da moda.

O papel era justamente provocar impactos visuais para se distinguir de estruturas vigentes até então. Em um ciclo contínuo, tais alterações criam novas referências de tendências, passando assim a serem adotadas para criações de coleções de moda, entrando no mercado de moda para compras mais acessíveis, e tornando-se o "novo predomínio" de estilo. Nesta década, a boutique Bazaar de Mary Quant disseminou a moda das mini saias, presentes nas coleções do estilista André Courrèges, tornando algo Mainstreem e uma febre nas jovens com o acesso a preços mais baixos.

Tais constantes transformações que nos referimos no início deste texto, em que levou a figurinista do filme a manter-se atenta e atualizada em sua organização dos trajes dos personagens. Pois, essas mudanças foram ficando tão rápidas que demarcar o tempo-espaço fílmico tornou-se um desafio: visto que a duração de uma produção cinematográfica era mais longa que atualmente em tal época.

A quantidade de lojas ready-to-wear e estilos de roupas aumentavam, enquanto o tempo entre cada novo lançamento diminuía. Se na grande maioria dos filmes até tal período verificam-se personagens com um guarda-roupa mais sucinto (menos trocas de roupa), em "O bebê de Rosemary" já percebe-se outra lógica. Em outras palavras, o volume de "looks" evidência no cinema o cenário de moda no contexto da vida, bem como, os novos recursos em fabricação e acessos a produção de figurinos. Isso demonstra outro fator: o estilo de vestimentas passando de trajes mais elaborados, glamurosos, para aqueles mais urbanos e casuais (dentro do que significa casualidade naquele tempo-espaço).

Rosemary faz o estilo moça de classe, mas sua posição econômica exata não fica clara no filme. Percebemos que é educada, tem "bom gosto" e desejos de uma vida confortável, mas se mostra uma pessoa simples, sem muitos caprichos extravagantes. A interpretação de seu status é exibido através do apartamento e das roupas que ela e Guy (seu marido) usam. O estilo de Rosemary se mantém impecável mesmo quando Guy não está indo bem na carreira, e esse fator acaba, propositalmente ou não, expondo justamente a acessibilidade ao consumo de produtos de moda de tal época; disponível a uma variedade maior das camadas econômicas.

Em muito poucas palavras, se no passado somente a realeza tinha acesso a tecidos nobres e belas modelagens, e depois esse luxo passa a camada burguesa e elite da sociedade, aqui, isso tudo começa a se modificar com maior força: a industrialização da moda e o ready-to-wear abrem a possibilidade de "qualquer um" ter "roupas bonitas".


Padrões de beleza


O tipo do físico e beleza de Rosemary é bem típico a um dos padrões da época: muito magra, cabelos curtos, pouco busto e maquiagem de boneca, com cílios bem marcado. Essa é uma referência ao padrão como a modelo Twiggy (principalmente quando na segunda metade do filme Rosemary corta o cabelo bem curto). Uma forte referência do universo cinematográfico desta mesma época, que permanece na imaginação até hoje, é a atriz Jean Seberg, protagonista do filme da Nouvelle Vague "À bout de souffle" (1960), de Jean Luc-Godard.

Esses arquétipos da jovialidade, androginia, representam os padrões da modernidade vigente, dos ideais estéticos que conectavam a aparência das mulheres mais ao "tipo reto" dos homens. Outros tipos coexistiam nos eixos de beleza, bem como o famoso estilo mencionado de Bardot com seu "sexy kitty", em que tais atributos se fundem ao arquétipo da famme fatalle, aparecendo com formas voluptuosas ao invés do tipo reto, sem curvas e muito magro.

(modelo Twiggy / atriz JEan Segerg em "À bout de Souffle")


Alguns acessórios da tendência dos anos 60 que aparecem no figurino de Rosemary são faixas grossas nos cabelos, penteados de "menina" (como a "maria chiquinhas"), franjas, até chegar no mais unisexy com seus cabelos bem curtos.


O gênero de terror promove a mensagem da posição submissa de Rosemary aos desejos de seu marido como modelo antiquado de casamento e sociedade. Percebe-se um grande esforço dela na busca para se enquadrar em montar o quadro da "família feliz americana", que já não se sustentava. "O bebê de Rosemary" é um clássico do cinema, que carrega profundas camadas simbólicas, literárias é artísticas para além do que tratamos nesse breve é saio. Adaptação de sucesso que pertence a lista dos melhores filmes que todos cinéfilo deveria assistir.


[Estudos Estéticos, PUC-Rio- 2012]


A partir do texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, do filósofo Walter Benjamin, analiso o filme “Blow Up – Depois daquele beijo” (por Michelangelo Antonioni), que tem relação com as ideias do filósofo, tanto em sua trama como na técnica de execução cinematográfica.


PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES:  segundo compreendido no trabalho de Benjamin

Citando Benjamin, “a obra de arte sempre foi reprodutível” , tanto como um sistema de ensinamento, como através de técnicas como a litogravura. Posteriormente, com a invenção da fotografia  “pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho”. (A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica – pág 181) Esta mudança transformou a maneira de se fazer arte e se relacionar com ela, pois a reprodução surgia interligada à técnica. Hoje, uma obra não possui mais a unicidade de “aquela peça”, existe a captação, que pode ser sempre reproduzida e sempre será “original”.

Esse ponto é o que o autor chama de autenticidade, que está ligada à “aura” da obra de arte. Cada peça desenvolvida, seja de pintura ou escultura, seja de tema sacro ou profano, tem em comum o momento em que foi realizada, o que as torna únicas. Só existe uma produção autêntica, que nem mesmo o autor seria capaz de refazer, e qualquer obra que tente ser igual à original é uma cópia. Hoje, o conceito da “cópia” muda, pois todas as obras de arte feitas a partir da técnica de reprodução, são cópia e ainda assim são a original.

A  “aura”, aspecto restrito à arte única, agrega o valor de culto à obra, ligada ao ritual da realização da peça que não pode ser copiada. A arte aurática cumpre seu papel simplesmente ao existir, como as guardadas por um único dono, escondidas em igrejas e desenhos em cavernas, que possuem uma certa “magia” em sua existência.

No momento que a fotografia e cinema surgiram, todo o sentido de unicidade se perdeu, pois não havendo mais uma obra original, o objetivo se torna reproduzir, e assim expor ao mundo aquela arte. Com o cinema, o que importa é exibir o filme, não importando se o público está vendo “a primeira cópia” (o “original”) ou outras cópias, exceto se há diferenças de qualidade técnica ou até se há diferença de versão, como já ocorreu muitas vezes. 

Em minha opinião, seguindo essa linha de raciocínio exporta por Benjamin, acho que no caso da fotografia é diferente, pois durante boa parte de sua história, a “foto original” tinha valor próprio e era guardada como “mais autêntica” do que suas cópias. Por exemplo, a foto que era tirada num casamento e as cópias de fotos 3×4 para carteira.

Mas seguindo, a técnica em si esta ligada a reprodução, o equipamento é de mais alto custo que a arte manual, assim a própria lógica de relacionamento com o filme e a foto necessitam da disseminação para obter o retorno financeiro. Quanto mais pessoas virem aquela arte, melhor será. As transformações entre arte e humanidade são tão intensas que a forma do homem se relacionar com a arte muda. O valor de exposição desloca a prática do culto para a apreciação, entretenimento e estética, e esta volta a atingir uma dimensão coletiva, deixando seu lado solitário como havia ocorrido por exemplo da mudança da “narrativa” para o “romance”. Este fato evidencia, segundo Benjamin, que a reprodutibilidade técnica é na realidade a novidade de nosso tempo, a forma mais completa de darmos conta do que há de novo.

O deslocamento do valor de culto para o de exposição ocorre também devido a questões práticas de cada período, que era de uma forma na antiguidade e de outra atualmente. Por exemplo, a arte grega é hoje vista como algo eterno, de grande valor histórico e artístico; ora, suas obras eram realizados exatamente para alcançar a durabilidade, pois sem a técnica da reprodução o homem só poderia fazer um artefato como o que se propôs.

Atualmente, com as técnicas de reprodução, existem diversas chances de fazer e refazer cada produto imaginado, consequentemente o objetivo deixa de ser sua existência eterna, pelo contrário, surge a necessidade de demanda e até a noção de obsolescência programada.

Dois pontos importantes à serem observados é a diferença entre “eternidade” e “perfectibilidade”. Uma se liga à arte aurática, que tem uma única chance de se fazer algo, assim este deve ter uma ótima qualidade. E a outra à reprodutibilidade técnica, que pode haver tantas tentativas que se projeta a perfeição como uma meta.

O segundo ponto é uma importante intercessão com o filme “Blow up”, que trata justamente de algo aparentemente ruim levar ao crescimento. Foi devido à falta da técnica de reprodução, que os Gregos se tornaram um marco na história da arte.


BLOW-UP


A Intertextualidade

Blow Up: 

1. Eclodir, Rebentar, Acontecer

2. Ampliar (Fotografia)

3. Explodir (bomba)

4. Perder o controle; Perder a pose


O filme conta a história de um fotógrafo, Thomas (David Hemmings), que apesar de ser altamente reconhecido por seus trabalhos de moda, experimenta um grande vazio existencial, sentindo-se insatisfeito e desanimado com o cotidiano e com momentâneos espasmos de excitação. No próprio título já está clara a idéia discutida por Benjamin, que é a “ampliação”, a reprodução em extremo, movimento que ocorre na trajetória da arte e também no filme com a sequência de fotos que dão rumo ao enredo.

Na cena inicial, as figuras dos mímicos em festa pela cidade “blasé” já apontam o cenário da reprodutibilidade técnica, da produção em massa, da arte como imitação do real e entretenimento por ela motivado . Os personagens caricatos se vestem tão similares que na, multidão, mal se pode distingui um do outro. A atmosfera de felicidade do acontecimento proporciona o primeiro momento de alegria de nosso circunspecto protagonista. A arte hoje tem de fato esse papel de nos distrai, nos tirar da entediante realidade, e trazer a nossas vidas toda uma euforia que logo seguida se vai, deixando apenas questionamentos, novamente o tédio e inquietação.



Outro ponto exibido logo de início, é a mobilidade da arte quando aparecem mímicos se movimentando pelos cantos da cidade e Thomas pernoitando fora de seu ambiente natural para criar suas fotografias. “A medida que a obra de arte se emancipa do seu uso cultual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas” (pág. 187), não há mais a necessidade fixa da obra, esta pode circular pelo mundo e ser vista por todos. Até mesmo aquelas que tem a dimensão aurática, de certa forma já foram incorporadas por esta nova era, novos meios tecnológicos viabilizam a locomoção do homem ou até mesmo da arte. Acredito ser este o sentido dos mímicos nas cenas chaves: são figuras inicialmente ligadas ao teatro, agora circulando pelas ruas, e  que são personagens de um filme.

Na sequência, a vida do protagonista começa a ficar mais clara. No início, ele parecia pertencer à uma camada mais miserável, mas agora é apresentado como um artista bem sucedido. A arte que antes era ligada à pobreza, a arte por amor, é invertida, apresentando um novo mundo como o de Thomas, em que dinheiro e reconhecimento são gerados e não necessariamente existe a paixão pelo trabalho. A reprodutibilidade técnica gera, como já dito, o aumento da demanda e vendas, há mais exemplares existentes, vistos e adquiridos. Esta contraposição fica ainda mais clara quando em seguida o personagem encontra seu companheiro de casa, um pintor de quadros, que não tem aparentemente tanto sucesso, indo além mais ao final do filme, quando uma das fotografias de Thomas é comparado como similar à tal pintura.



Esta análise não significa que a pintura foi posta como fracassada, e a fotografia como bem sucedida, ela fala simplesmente sobre dois pontos, o fato da primeira existir inicialmente para ficar “reclusa” enquanto a segunda existe para ser vista. Transformação muito ligada ao capitalismo, onde a obra com valor de culto, produzida para apenas existir, não gera dinheiro, e a obra com valor de exposição se liga à economia, tem necessidade monetária alta e assim gera capital.

Nos momentos seguintes o espectador observa impulsos do protagonista, ele não se prende a nada, nenhuma regra nem ordem de vida, tudo simplesmente acontece, mecanismo similar ao da própria fotografia. A máquina gera aquilo que lhe é ordenado em um impulso, um apertar de botões. Diferente das técnicas das artes manuais, o artista não necessita seguir nenhuma regra, nem existe uma demora para que a obra fique pronta, ele pode simplesmente sair fotografando que as captações são feitas. As ações vão sendo coordenadas por aquilo que os olhos vêem, a arte perde também a necessidade de tanto planejamento.



Dependendo da análise, este pode ser o fator que gera a insatisfação de Thomas. Com a perda da aura, o envolvimento com a obra em longa duração, os momentos se transformam em instantes e prazer da criação, tornam-se, de certa forma, lapsos, que te dão prazeres momentâneos,  mas logo realizados se tornarão uma massa de mesmices. As belas produções estéticas dos artistas não exercendo um valor cultual, são apenas a beleza, não geram um vínculo sentimental tão grande, perdendo de certa forma o valor quando após um tempo surge alguma outra coisa bela. Isso parece entediar o protagonista, ele mesmo diz, a propósito das lindas modelos que fotografa em uma passagem do filme, que “mulheres bonitas são bonitas, e apenas isso” e  depois fica “preso” a elas o resto do dia.

A busca por algo que faça sentido é tão grande, que Thomas retorna duas vezes à uma loja de antiguidades para resgatar o que antes a arte era para o criador, que hoje já não é mais. Ele na realidade não sabe o que procura, busca artefatos sem rumo, e mesmo quando encontra algo que realmente lhe interessa trata com desdém quando finalmente chega à sua residência.



Todo o cenário se transforma tanto com a chegada da fotografia que não é mais possível recuperar valores antigos, pois esses não fazem mais sentido em nossos tempos. No momento do filme em que Thomas conversa com a dona da loja de antiguidades ela lhe diz que está cansada de coisas velhas, que agora quer ir para outro lugar, ver coisas novas. Esse diálogo entre o fotógrafo e a antiquária põe em discussão, ao meu ver, justamente este lado ressaltado por Benjamin de que não adianta ficar preso em algo que já teve seus tempos áureos, devemos enxergar o mundo como hoje ele é e utiliza-lo da melhor forma possível. A vendedora, que é jovem, deseja, assim como a arte com valor de exposição, sair daquele lugar fechado, cultual, e obter uma troca com o mundo.

Já se esquecendo do objeto que adquiriu na loja de antiguidades, Thomas segue para o parque para fotografar, pelo simples prazer de fotografar, numa sequência de muitos disparos fotográficos, sem qualquer preocupação com o gasto de filmes, ou seja, dinheiro e planejamento. Esta atitude trata a arte reprodutível no seu nível mais prático, mostra que o artista não está interessado em realizar algo eterno, então suas tentativas são ilimitadas, ele pode disparar sua máquina inúmeras vezes, até encontrar na revelação a “foto perfeita”, diferente de seu amigo pintor, que parece se dedicar ao máximo em seu quadro inacabado.

Thomas então acaba capturando imagens de um casal, e logo descobre não ter sido muito desejado por ali. Este valor que o rosto dá a fotografia, é algo marcante, pois carrega de certa forma um vida consigo, a identidade de alguém. Segundo Benjamin, a fotografia, que foi a responsável por “destruir” a alma da obra de arte, é aquela que dentre as obras de reprodutibilidade técnica, possui maior resquício aurático.


No começo da história da fotografia, as fotos eram dependentes de maquinas e técnicas muito caras e, assim, era apenas para aqueles que possuíam uma boa condição financeira, ou, em momentos únicos, como na morte ou ida de alguém, como amores distantes. Essa dimensão única e especial conferiu aura à fotografia, pois, de certa forma, ela é insubstituível, e a única maneira de se conectar com aquela pessoa especial, dando-lhe um certo valor de culto e sagrado.

Assim, no momento que a mulher compondo o casal percebe ter sua face possivelmente capturada pela maquina fotográfica, entra em desespero, agregando todo esse valor de unicidade às fotografias batidas por Thomas. Logo se percebe pelo protagonista (e espectador do casal), que a mulher não queria atrelar sua própria imagem, que é única, aquele momento. Isso provoca uma grande mudança de perspectiva do protagonista com o seu trabalho, pela primeira vez no filme ele de fato cria um vínculo com suas fotos, e as trata com muito cuidado, pois elas tornam-se únicas.




O paradoxo do valor da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica é exibido no reencontro entre a mulher do parque e Thomas. Ela (Vanessa Redgrave) implora pelos negativos, surgindo entre os dois um jogo de sedução e poder. Até este momento, o valor de unicidade ainda é existente, porém, logo o rapaz consegue se livrar da moça ao entregar outros negativos, evidenciando a pura maximização, pois todos são idênticos. Como não faz diferença, um rolo de filmes se passa por outro, deixando por alguns instantes clara que esta arte não possui a chamada “aura”, pois este fato jamais seria possível ocorrer com a “Mona Lisa”, por exemplo.

De qualquer forma, aquelas fotografias ainda possuem seu valor, pois devido à rápida captação de imagens através da repetição de disparos mecânicos, algo único foi registrado,  o que não é possível na arte de técnica manual. As mãos jamais serão tão rápidas como uma máquina ou uma câmera filmadora, e esta característica corresponde a uma novidade tão incrível e de valor, que o autor do filme coloca-a como responsável pela captação de um crime que nem os olhos nus (humanos) foram capazes de enxergar.

Aí segue o clímax do filme, quando Thomas começa a reproduzir, gerar a arte, e ampliar tanto que o crime – a realidade – é evidenciado. Este momento mostra não apenas o alcance desta arte, além da do olho humano, como também como todo o processo técnico necessário está integrado à arte dessa era. A “prova” do ocorrido está obrigatoriamente ligada à reprodução da fotografia, e apesar do rapaz ter ido checar o corpo no parque, e visto com seus próprios olhos que de fato ele estava lá, quando as fotos somem misteriosamente de seu estúdio, junto aos negativos, ele perde toda a certeza do que foi ou não real.





Ocorre o dialogo com uma mulher que não fica claro ser amiga ou amante, onde ele diz à ela “eu vi um homem ser morto hoje”, e sendo indagado de como teria acontecido, responde “Eu não sei, eu não vi”. E esta mulher, que uma cena antes foi vista por Thomas tendo uma relação sexual com o pintor, diz a ele que a foto (a única que lhe restou) do corpo morto, um grande borrão tremido, parece um dos quadros do pintor. Não fica é esclarecido o triângulo, mas quando a moça se retira sem ter ajudado o protagonista, talvez seja um questionamento de que na realidade ambas as artes apesar de tão diferentes, acabam hoje cumprindo o mesmo papel. Pois tudo é arte, tudo é uma externalização pessoal com influência da realidade, que jamais serão de fato a realidade, mas fazem parte dela retratando um outro tipo de realidade.

Com as fotografias perdidas, sem o poder que estava em suas mãos, Thomas se encontra novamente no parque e na presença dos mímicos. Estes, que jogam tênis sem bola através de mímicas muito bem interpretadas, chamam a atenção do rapaz, que em certo momento é gestualmente solicitado a buscar uma bola imaginária que caiu fora do campo. Aceitando pegar o objeto, é como se entrasse finalmente naquele jogo e é ai que passa a de fato ouvir a bola, diferente do momento em que não viu o crime.




CONCLUSÃO


O filme apresenta diversos conceitos que dialogam com o texto do filosofo Benjamin e que nos levam a enxergar de forma real tudo o que ele expõe em seu ensaio. E este fato é mais uma das conclusões que a relação entre ambas obras atinge, pois nos esclarece como espectadores e nos orienta através do cinema. A noção do espectador é algo inteiramente ligado à era da reprodutibilidade, pois esta possui, como já visto, a necessidade de exposição tornando-se capaz de se comunicar com uma massa muito maior e atingir uma nova forma de relacionamento, que nos leva através da apreciação estética, formas de viver. É como se, mais uma vez, voltássemos a obter algo similar à narrativa, que dispõe de valores para guiar o homem e possui uma linguagem de tantas faces, que caminha ao longo das gerações.

Quando surgiu a fotografia os artistas perceberam toda sua potência, criando a “arte pura” como tentativa de preservar as “artes clássicas”, desenvolvendo um conceito de análise puramente técnica, da qual fotos não teriam como se enquadrar. O fato é que a técnica de reprodução já havia ocorrido e ganhava dimensão transformando a sociedade. Benjamin diz que o interessante não é tentar argumentar o que era ou não arte, e sim usufruir da melhor forma possível essa inovação, que só foi possível pela sociedade já haver se transformado.

Hoje, acaba ocorrendo de certa maneira a mesma situação. Ao invés de propor enquadrar o cinema em um estado de arte, e fazer teorias que tentam doar a ele uma aura, o interessante é compreender que isso não é possível, e é essa impossibilidade de agregar um valor do que já foi que aponta o cinema como atual, como “a novidade de nosso tempo”.

Michelangelo Antonioni parece explicitamente concordar com Benjamin que as mudanças ocorrem, muitas vezes são confundidas com algo de “ruim”, mas talvez seja apenas uma sensação de desconforto inicial, sendo aproveitado na realidade um momento de transformação apenas. Thomas coloca claramente para a moça que se desespera para obter as fotos: “às vezes precisa-se de um pouco de desastre para que as coisas se ajeitem”. Ele próprio vive uma crise, um dia especialmente intenso que o modifica por completo.

A meu ver o final do filme não dá uma resposta específica, deixa conosco, espectadores, o mesmo questionamento que o protagonista que nos guiou durante o filme, apresentando uma “realidade não real” e a arte. Afinal Thomas escuta o jogo dos mímicos, e nós assistimos ao filme, duas coisas que são em teoria uma cópia da realidade, mas se também é real o que estamos vendo, a arte talvez seja a vida em um diferente nível.  O momento em que o rapaz desaparece na cena final talvez seja o silêncio que nossa mente atinge naquele instante, em que não existem certas respostas, mas é um fato de que aquela arte conseguiu cumprir seu papel ao atingir sua existência mÁxima. “Blow up”, a ampliação máxima da potência fotográfica que levou um artista a descobrir um crime, e o filme executando o mesmo papel ao nos provocar como espectadores dessa história.

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